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A campanha de repinte de José Xavier de Castro

Pouco mais de vinte anos depois das pinturas a óleo de autoria de Francisco Lopes Mendes, em 1737, a Santa Casa da Misericórdia de Évora mandou repintar cinco das anteriores telas. O pintor escolhido foi José Xavier de Castro. Várias terão sido as razões que pesaram na decisão de mandar repintar as telas de Francisco Lopes Mendes. A primeira será a de apresentar um conjunto de pinturas com um sentido plástico mais moderno, tendo José Xavier de Castro procurado atingir esse objetivo com a expressão do maior número possível de géneros de pintura. A escolha dos episódios bíblicos tinha por objetivo integrar as obras de misericórdia corporais no discurso salvífico cristão e formar uma mensagem coerente, com a combinação das telas das obras corporais do Velho Testamento com os painéis de azulejo das obras de misericórdia espirituais do Novo Testamento. Nessa sua proposta abrangente, José Xavier de Castro identificou os personagens pela indumentária correta e descreveu momentos de vivência quotidiana, como o da visita da Santíssimo sacramento aos doentes. Apresenta um nu feminino de forma decorosa na distribuição das roupas e, na paisagem, esmerou-se na poesia das ruínas, fundos de paisagem e céus em crepúsculo, que colocou em contraste com a opulência dos elementos de arquitetura palaciana.
Vestir os nus
Visitar os presos e doentes
Enterrar os mortos
Acolher os pobres e peregrinos
Remir os cativos

Vestir os Nus

José Xavier de Castro

Óleo sobre tela, 1737

Na pintura alusiva à obra de misericórdia “vestir os nus”, José Xavier de Castro ilustra uma tenda onde se veem várias pessoas a vestir roupas, supostamente oferecidas pelas duas figuras representadas atrás de uma mesa, as quais demonstram uma clara superioridade social sobre os que se vestem, sendo clara a mensagem misericordiosa de que os mais abastados devem ajudar e dar a possível dignidade aos que menos têm.

Tobias Veste os Hebreus de Ninive – Vestir os nus
Francisco Lopes Mendes
Óleo sobre tela, 1715/16

Composição que ilustra Tobias a vestir os hebreus de Nínive. O pintor colocou no centro da composição um homem semi-ajoelhado, a vestir uma camisa, auxiliado por um nobre de turbante, com feições idênticas ao do primeiro, aproximando-se na companhia de um criado que carrega várias roupas. O encontro entre os dois grupos ocorre do lado de fora de uma imponente cidade amuralhada, pontuada por numerosos edifícios monumentais, tendo a representação como referência a narração de Tobias, pai, em que recorda o tempo passado na cidade de Nínive, de como dava esmolas aos seus conterrâneos, distribuía pão entre os esfomeados, dava roupa aos pobres e se alguém ficasse insepulto fora das muralhas da cidade, providenciava o seu enterro.

Acolher os Pobres e Peregrinos

José Xavier de Castro

Óleo sobre tela, 1737

Nesta pintura vemos um homem de notória abastança, junto da entrada de sua imponente casa, de arquitetura clássica, com colunas coríntias, a acolher três homens que serão peregrinos ou viajantes, e que pela sua postura corporal se mostram agradecidos pelo ato do homem que notoriamente se disponibiliza para os acolher em sua casa. Junto a esses viajantes ou peregrinos é retratado um cão.

O Patriarca Abraão oferece pousada aos três anjos do Senhor

Francisco Lopes Mendes

Óleo sobre tela, 1715/16

Composição que retrata a cena bíblica em que o patriarca Abraão oferece pousada aos três anjos do Senhor. Episódio narrado no livro do Génesis, tendo Francisco Lopes Mendes representado o patriarca já idoso, de barbas brancas, em frente a sua casa, a saudar a chegada dos três jovens com seus bordões de peregrinos.

Em segundo plano, ao fundo, à direita, os mesmos jovens estão sentados à volta de uma mesa redonda, à sombra de uma grande árvore de jardim.

Visitar os Presos e doentes

José Xavier de Castro

Óleo sobre tela, 1737

A composição mostra-nos um sacerdote a distribuir a comunhão por pessoas enfermas, destacando-se a mulher a quem estende a hóstia, que tem uma criança junto a si, certamente seu filho. Ao fundo, à esquerda, um homem dá apoio a outro que se encontra deitado. A tela está especialmente escura, mas na extremidade direita parece distinguir-se uma casa, possivelmente uma prisão, vendo-se uma figura masculina no seu exterior, a conversar com os que estão lá dentro, presos, por entre as grades.

A arquitetura do edificado representado, com uma torre circular, assemelha-se mais à tipologia da arquitetura tradicional do Norte da Europa, o que pressupõe que José Xavier de Castro tenha tido referências pictóricas de um autor ou autores dessas latitudes continentais.

Francisco Lopes Mendes

Óleo sobre tela, 1715/16

Conforme a descrição tradicional desta obra da misericórdia corporal, também conhecida como “visitar os enfermos e encarcerados” e veiculada pela Cartilha da doutrina cristã do padre Marcos Jorge, Francisco Lopes Mendes dividiu o painel em dois, separando a visita aos doentes da visita aos presos.

Do lado esquerdo, representou o rei Ezequiel doente e acamado, com o leito coberto por um rico dossel, encimado por uma coroa, com as cortinas presas aos fustes das colunas, no momento em que recebe a visita do profeta Isaías, acompanhado por um soldado. Conforme descreve o segundo Livro dos Reis, o rei Ezequiel aponta para o relógio de sol que está ao lado da cama, onde a sombra recuou dez graus como confirmação da graça divina que, a pedido do profeta, o ai curar da doença mortal.

As paredes do palácio dividem a cena ao meio e a visita aos presos, representada do lado direito, tem como referência o episódio em que Tobias visitava os seus conterrâneos presos e lhes dava bons conselhos, como narra o livro de Tobias.

Remir os cativos

José Xavier de Castro

Óleo sobre tela, 1737

Com tradição na representação de obras corporais, a redenção dos cativos é representada por uma transação comercial, à volta de uma mesa, liderada pelo provincial trinitário, com o chapéu e as suas tradicionais vestes brancas, que finaliza a operação de resgate dos escravos cristãos das mãos dos chefes muçulmanos, identificados por sumptuosos turbantes.

A escolha desse momento corresponde à tradução exata dos termos do acordo alcançado com o rei D. Sebastião, em 1561, que restituiu a supervisão das questões religiosas da libertação dos cristãos escravizados à Ordem da Santíssima Trindade, depois do afastamento provocado pela criação do tribunal da redenção de cativos, por volta de 1460.

As Misericórdias foram sempre chamadas a contribuir para esses resgates gerais, uma colaboração normalmente agradecida de forma pública com procissões que incluíam no itinerário as Igrejas das Misericórdias.

O Patriarca Abraão Liberta Lot e o seu povo

Francisco Lopes Mendes

Óleo sobre tela, 1715/16

 

Para representação do episódio que ilustra a obra “Remir os cativos”, Francisco Lopes Mendes representou um grupo compacto de militares, que o patriarca Abraão lidera, fazendo-se acompanhar pelo sobrinho Lot, que ainda traz as correntes como marca do cativeiro.

A libertação de Lot e seu povo, o episódio final da Guerra dos Quatro Reis, encontra-se entre as várias referências bíblicas da gravura “Redimere Captivos” do álbum de Phillips Galle.

Enterrar os Mortos

José Xavier de Castro

Óleo sobre tela, 1737

Na tela intitulada “Enterrar os mortos”, José Xavier de Castro apresentou, no centro da composição, um catafalco, designação de um estrado alto sobre o qual é colocada a estrutura onde ficará o corpo falecido. Esse catafalco está enquadrado por uma figura arquitetónica de aparente complexidade e indecifrável, surgindo no primeiro plano e incluídos num interior requintado, dois homens que ajeitam o corpo de outro, amortalhado e rodeado de símbolos da morte.

 

O enterro do Patriarca Abraão

Francisco Lopes Mendes

Óleo sobre tela, 1715/16

 

Sendo uma representação do enterro do Patriarca Abraão, o episódio passa-se no exterior à boca da gruta dos patriarcas, e Isaac e Ismael, ambos de turbantes, levantam o corpo do pai, envolto por um lençol, preparando-se para o depor no interior do sarcófago, decorado com elaborados relevos. Homens e mulheres do povo assistem à cerimónia.

A proximidade deste episódio do corpo de Cristo não surge ao acaso e tem a intenção de aproximar a figura do patriarca Abraão com a do Messias, uma ideia basilar da construção de programas iconográficos tipológicos, onde se procura estabelecer os pontos de igualdade entre a história contada nos livros do Velho e do Novo Testamento.

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